quinta-feira, 24 de julho de 2008

PASSAGEM DE ANO ATRIBULADA


Foi na noite de 31 de Dezembro, numa aldeia sossegada da Beira Alta, a minha onde D. Sancho I, cioso de manter a independência do leonês mandou construir um castelo e rodear a povoação de muralhas no mesmo estilo de toda a linha arraiana e que fez florescer dando-lhe foral pois que os peões passaram a ter privilégios de cavaleiros e estes de infanções ou ricos-homens.
Adiante. Mais tarde descobriu-se a pólvora, vieram as armas de artilharia e Castelo Mendo também teve as suas.
Dentro da relíquia que é a povoação ficou uma outra relíquia, uma grande peça de artilharia, daquelas de carregar pela boca, que disparavam acendendo-lhes a mecha num pequeno orifício atrás.
Passaram-se anos em que a dita, vetusta e obsoleta arma jazia pacificamente no cimo do povoado no sítio onde outrora fora o castelo apenas assinalado por uma porta, uma ou duas torres derribadas por cima da muralha e uma cisterna.
Numa passagem de ano, os rapazes do povoado, bem bebidos, sedentos de acção e, por falta de diversões no povoado, deitaram, gulosos de bêbedos e de inconsciência, o olho ao canhão.
Um mais afoito alvitrou:
- Eh rapazes, vamos carregar o canhão?
É claro que todos responderam em uníssono “vamos a isso!”. E mãos à obra. Os leitores já decerto viram, porventura no cinema, como se carrega um barroco numa pedreira para se lhe extrair a pedra. Pois bem, depois de meterem a pólvora lá bem no fundo, eles fizeram exactamente assim. Foram enchendo de pedregulhos, metendo terra e atacando praticamente até ao cimo, sempre com aquela carga de vinho e desconhecimento. Chegou por fim o momento mais alegre e expectante: chegar a mecha ao canhão. “Quem tem um fósforo, quem não tem?” e ‘zás’ fogo à peça!
Tal como as pedras saltam para cima e para os lados no barrocal, assim a honrada peça de artilharia que porventura matara centenas de castelhanos, só não matou os autores do disparo porque não calhou. Certo está o ditado que ao menino e ao borracho…

J.P

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